Mujica na UFSC: “estou apaixonado pela vida”

22:09:20

COY-Abertura-com-Mujica-Foto-Henrique-Almeida-20O senador e ex-presidente do Uruguai José Mujica encerrou sua palestra na cerimônia de abertura da 11ª Conferência da Juventude Latino-Americana sobre Mudanças Climáticas (COY11) com um pedido bem específico: “por favor, não sejam traidores do que está por vir”. E saiu, deixando no ar o peso das palavras que disse durante pouco mais de uma hora e vinte minutos diante das 1,3 mil pessoas que ocuparam todos os lugares do Auditório Garapuvu na noite da quinta-feira, 26 de novembro.

Desde o começo, era claro que não se tratava de uma abertura comum: a grande procura pelas inscrições para garantir presença, a fila que já se formava do lado de fora do Centro de Cultura e Eventos  quando ainda era dia claro, a forte expectativa, todos atestavam o carisma e a forte atração exercidos por Mujica. A cerimônia, marcada para iniciar às 20h, atrasou cerca de uma hora para que o público, ansioso, se acomodasse. Eram 21h20min quando o pronunciamentos da presidente da Associação de Jovens Engajamundo, Raquel Rosenberg, foi interrompido com a notícia da chegada do ilustre visitante, que começaria a falar imediatamente. Ao contrário do protocolo habitual, ele não foi introduzido com nome completo e cargo. Em vez disso, o clichê “dispensa apresentações” foi levado a sério; Raquel e  a coordenadora-geral da COY11 e estudante de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFSC, Thaianna Elpídio Cardoso, disseram simplesmente “vem, Mujica” e ele veio.

A ovação entusiasmada que se seguiu à presença do senador no palco fez parecer ainda mais profundo o silêncio respeitoso que se fez quando ele começou a falar. E, por toda a palestra, esse silêncio só era interrompido pelos aplausos a momentos no discurso que evidenciam outro componente importante da fascinação que ele cria: o frasista que sabe comunicar-se com o auditório à sua frente. Fez questão de explicar que veio a Florianópolis não por obrigação, mas porque quis e não era para ir à praia, era para estar ali, falando com os jovens, em quem depositou tanto sua esperança quanto uma carga de responsabilidade: “vocês vão ter o gigantesco desafio de lutar com brandura, serão menos primitivos. Serão menos fortes, mas muito mais inteligentes” e “isso não pode ser garantido pelo governo, é assunto cultural”, disse. Utilizou o linguajar de seu posicionamento politicamente à esquerda quando dizia “o que nós chamamos de proletariado organizado vão ser os grupos de estudantes do futuro, de profissionais do futuro”. Mais adiante, lembrou que a existência tanto de grupos que lutam por mudanças quanto de conservadores é anterior à classificação entre esquerda e direita, mas alertou: “as duas caras têm patologias. a cara da mudança cai no infantilismo, que confunde desejo com realidade. a conservadora pode cair no reacionário ou até fascista”.

COY - Abertura com Mujica - Foto Henrique AlmeidaUnião latina, ética e futuro

Sobre ecologia, pouco falou. Observou que as novas gerações não têm mais a desculpa da ignorância para seguir causando danos ao planeta, observou que “vimos nascer a indústria de mitigação dos danos ao meio ambiente” e que “a América Latina é muito rica em recursos naturais e é um paradoxo que haja gente passando fome”. Mas preferiu concentrar a palestra no poder de mudanças e progresso da juventude, nas críticas ao consumismo, na união da América Latina e na ética pessoal, que resumiu com simplicidade e vocabulário pouco usual: “significa não foder com os outros; é simples, não tem que complicar. Não ser mau com os outros, não precisa dar muita volta”, explicava, sob aplausos e risadas. E ampliou: “a economia não pode ser separada da ética e da conduta humana”.

O surgimento da União Europeia como estrategia de sobrevivência e defesa econômica diante da polarização entre Estados Unidos e União Soviética após a Segunda Guerra Mundial foi o exemplo para dizer que a aproximação maior entre os países da América Latina “não significa perder independência, significa juntar forças para manter a independência”. Para ele, a independência dos países latino-americanos “coincide com a formação do mercado mundial e passamos quase 300 anos olhando para os lados sem olhar para nós”. Entretanto, ressaltou, “seremos capazes de integrar nossas universidades e nosso conhecimento se não integrarmos a inteligência das Américas?”.  As ressalvas, aliás, surgiam o tempo todo, como ponderação às possibilidades que vislumbra. “A amor da vida está no caminho em si e na luta. Não lutamos pelo prêmio final, lutamos pela vida em si; queremos algo um pouquinho melhor para a alma dos que estão por vir depois da gente”, disse. Contrabalançava com “nunca há triunfos definitivos, nunca há derrotas definitivas. Não pode haver, porque a escada do progresso é infinita” e dimensionava novamente o desafio: “há muito que temos que defender, mas muito mais o que temos que alcançar”.

Mais do que um orientador ou ex-chefe de governo, Mujica falou como entusiasta e animador. “Podem me dizer ‘velho, você está louco?’ Não, não estou louco, estou apaixonado pela vida”, definiu-se. E definiu: “a vida é linda se dedicada a uma causa de progresso humano”.

Abertura

Participaram da mesa de abertura a reitora da UFSC, Roselane Neckel; a reitora do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC), Maria Clara Schneider; o cônsul-adjunto Encarregado de Assuntos Políticos e Imprensa do Consulado-Geral da França no Brasil, Thibault Samson; o Encarregado de Negócios da Embaixada da Bolívia, Pablo Ezedin Alarcón Prado; a consultora do Programa das Nações Unidas para o Ministério do Meio-Ambiente, Camila Mello; a coordenadora-geral da COY11 e estudante de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFSC, Thaianna Elpídio Cardoso; o coordenador-geral da COY10, Israel Maldonado; a presidente da Associação de Jovens Engajamundo, Raquel Rosenberg.

Manifestações

A abertura da COY11 foi precedida por duas manifestações. Aos gritos de “Não foi acidente! Crime Ambiental!”, “A lama é da Samarco!” e “Chega de mineração!”,  cerca de 20 jovens cobertos de lama e carregando cartazes expressaram indignação ao recente rompimento das barragens com rejeitos tóxicos da mineradora Samarco em Mariana (MG). “Não podemos deixar passar em branco, essa é uma destruição sem precedentes e ainda não temos noção de todo o impacto ambiental. Aves migratórias estão viajando pelo mundo inteiro espalhando toxinas. Comunidades que vivem ao longo dos 600 km do rio Doce estão sem água, sem comida e sem meios de sobrevivência”, explica a jornalista e ambientalista Flora Neves, 28 anos, integrante do Coletivo UC da Ilha. O público aderiu ao manifesto, engrossando o coro de protestos. “As pessoas entendem a importância e seriedade do que aconteceu em Mariana”, acrescenta Flora. O ato na COY11 faz parte de uma série eventos que vem sendo organizados por ONGs locais em apoio aos atingidos pela lama em Minas Gerais e Espírito Santo.

Outro grupo, composto por indígenas da região do Alto Vale do Itajaí, se manifestou contra o Projeto de Emenda Constitucional (PEC 215) que autoriza o Congresso Nacional a modificar as demarcações de terras indígenas, territórios quilombolas e unidades de conservação ambiental. Liderados pelo índio graduado pela UFSC Woie Patté, representante do povo Laklãnõ/ Xokleng, o grupo carregava cartazes com as frases “Demarcação Já!” e “Não à PEC 215” (Proposta de Emenda à Constituição propondo que demarcações de terras indígenas, titulação dos territórios quilombolas e a criação de unidades de conservação ambiental sejam responsabilidade do Congresso Nacional e não mais do poder Executivo, como é hoje). “A conferência é um momento para falarmos não só para o país, mas também para o exterior. Queremos que o mundo todo saiba que o governo brasileiro não vem atendendo às questões indígenas, garantidas na Contituição de 1988. Pela lei, nosso território deveria ser demarcado em um prazo de cinco anos. Mas nosso terrítório só diminuiu. A PEC 215 ignora toda nossa tragetória de luta. Desde 1500, quando os europeus chegaram aqui, nós somos massacrados de todas as formas. A PEC 215 é uma PEC da morte, representa um genocídio” expressa Woie, que também criticou a cobertura dos veículos de comunicação em relação às questões indígenas. “Todas as matérias distorcem nossas informações, o que nós queremos que seja divulgado nunca é divulgado. Nós sempre aparecemos de forma negativa: o índio é invasor, o índio é tudo aquilo que não presta. Enquanto isso, nós somos dizimados.”

Sobre a COY11

A COY ocorre anualmente desde 2004 e precede a Conferência das Partes (COP), organizada pela ONU. A COY11 é orquestrada globalmente pela YouNGO, organização não governamental internacional da juventude sobre o clima, e pelas associações Avenir ClimatiqueCliMates, a Fédération du Scoutisme Français, a Refedd e pelo Movimento WARN!. No Brasil, a realização se dá por meio da ONG Engajamundo, em conjunto com o Movimiento de Jóvenes Latinoamericanos y Caribeños frente al Cambio Climático; Comitê Facilitador da Sociedade Civil Catarinense da Rio+20; Instituto Juventude Lixo Zero Brasil; Núcleo de Educação Ambiental; Centro Acadêmico Livre de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFSC; e o Projeto Route, com coprodução da Luumen Negócios da Economia Criativa e apoio da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). São esperados mais de 8.500 jovens nas oito COY11 locais a serem realizadas neste ano.

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Daniela Caniçali – Jornalista/Agecom/DGC/UFSC

Fábio Bianchini – Jornalista/Agecom/DGC/UFSC

Fotos Henrique Almeida – Agecom/DGC/UFSC